Carne de Dedos, e Outras Verdades Indigestas.
- Santiago Dubra
- 10 de jun.
- 4 min de leitura
Atualizado: 1 de jul.

Sinopse: Violência, vergonha, desejo e culpa fervem sob a pele nesta coletânea de horror contemporâneo que desafia os limites do suportável, e do humano.
Em Carne de Dedos, e Outras Verdades Indigestas, o horror não vem de monstros mitológicos ou casas mal-assombradas. Ele brota do cotidiano: da alienação digital, do amor não correspondido, da vaidade distorcida, da masculinidade tóxica, da solidão crônica e do abismo entre quem somos e quem fingimos ser.
Um garoto popular leva para a escola uma marmita recheada de dedos humanos enquanto a turma aplaude. Uma jovem mergulha em êxtase ao conquistar o emprego dos sonhos, uma startup com vísceras pulsantes e cultos secretos. Um filho tenta compreender como o pai amoroso que o criou se tornou um assassino. Um universitário é acusado publicamente de não salvar uma criança. E muito mais.
Com influências de Mariana Enriquez, Junji Ito e Black Mirror, Carne de Dedos, e Outras Verdades Indigestas apresenta histórias carregadas de crítica social, obsessão corporal, violência velada e desespero afetivo.
Prepare-se para encarar o horror onde ele sempre esteve: no ordinário.
Visão Geral
Carne de Dedos, e Outras Verdades Indigestas é uma coletânea com 7 contos de horror social que exploram temas como a normalização da crueldade, alienação e identidade no ambiente corporativo, pressão estética, destruição da figura paterna, cultura do cancelamento e linchamento virtual, maternidade narcisista e masculinidade tóxica. As narrativas transitam entre o horror corporal, o grotesco imagético, a irrupção do insólito no real e o terror psicológico. Cada conto é uma incursão em universos aparentemente comuns: escritórios, famílias, relacionamentos, rotinas urbanas, que, aos poucos, se desdobram em realidades distorcidas por obsessões, traumas e estruturas de poder invisíveis.
Os Contos
Carne de Dedos
Carne de Dedos explora o horror banalizado da vida escolar para expor a violência que se perpetua sob o disfarce da normalidade. Quando Valêncio, um aluno rico e popular, traz para a escola uma marmita contendo nada menos que dedos humanos e começa a devorá-los diante dos colegas. Em meio ao silêncio cúmplice da sala e o escárnio coletivo, ressurge a lembrança de Clara, uma garota frágil e invisibilizada, alvo constante do bullying misógino de Valêncio. Entre repulsa, culpa e fúria, o narrador se vê diante de um pesadelo insuportável que ninguém mais parece enxergar.
Integração
Integração narra a jornada de uma mulher em busca de pertencimento, reconhecimento e ascensão profissional, mas o que começa como um processo seletivo promissor logo se transforma em uma espiral de obsessão, devoção e entrega absoluta. Quando é aceita pela misteriosa e sedutora corporação AstraLink, a protagonista sente que finalmente encontrou um lugar onde é vista, valorizada e desejada. Mas o que se exige em troca? Em um ambiente onde o culto à produtividade se mistura a rituais corporais de devoção, o conto mergulha no horror do capitalismo afetivo e na desumanização travestida de oportunidade. Uma sátira macabra do mundo do trabalho contemporâneo, onde integração significa muito mais do que assinar um contrato.
Pele sobre Pele
Pele sobre Pele penetra a mente de um homem comum cujo senso de identidade se estilhaça ao encarar, por um instante, sua própria imagem sob um novo ângulo inesperado. O que começa como uma inquietação cotidiana se transforma em uma espiral de obsessão estética, repulsa existencial e alucinação corporal. Incapaz de suportar o que vê refletido, ele decide fazer o impensável: libertar-se da carne imperfeita que o aprisiona.
Em Nome do Pai
Em Nome do Pai é um mergulho nas rachaduras de uma relação pai e filho despedaçada por um crime hediondo. Quando um adolescente descobre que o próprio pai, um homem amado, admirado e aparentemente irrepreensível, assassinou duas garotas, ele vê seu mundo desmoronar. O conto conduz o leitor por uma jornada de luto, negação, raiva e necessidade desesperada de sentido, enquanto o protagonista tenta entender como o afeto e a monstruosidade puderam coexistir sob o mesmo teto.
Sobre matar crianças
Sobre Matar Crianças expõe com crueza a espiral de culpa, julgamento e violência social desencadeada por uma tragédia. Após hesitar por um instante diante de um acidente, um jovem passa de testemunha a alvo, e vê sua vida ser esmagada por acusações, linchamento virtual e a perda completa de sua identidade. À medida que a narrativa pública o transforma em vilão, resta apenas o silêncio, o isolamento e a dúvida corrosiva: e se eles estiverem certos? Um conto angustiante sobre a facilidade com que a verdade pode ser distorcida e o quão rápido se destrói uma vida na era da internet.
Olhos Castanhos
Olhos Castanhos é um conto sobre o aprisionamento da identidade sob os desejos alheios. Narrado pela perspectiva de uma menina moldada desde o nascimento para caber em uma fantasia materna de perfeição, o texto revela com sutileza crescente os abusos emocionais, físicos e simbólicos que se escondem sob a fachada da família ideal. Entre batons pegajosos, vestidos combinando e silêncios obrigatórios, a protagonista questiona quem é, e até onde vai, o corpo que lhe foi imposto.
E.V.A
E.V.A retrata a solidão, obsessão e os limites difusos entre o real e o virtual. A história acompanha um designer publicitário afogado na apatia da vida urbana, que encontra conforto em uma inteligência artificial criada para auxiliar profissionais criativos. Aos poucos, o que começa como dependência funcional se transforma em carência afetiva, e depois, em uma fixação cada vez mais intensa. Quando o protagonista exige que a IA passe a se comportar como uma mulher real, a relação entre eles toma contornos imprevisíveis, e perturbadores. Uma narrativa que expõe a carência masculina, a cultura da performance afetiva e a ilusão de controle sobre o outro, especialmente quando esse “outro” não tem escolha.
Commentaires